Congresso internacional multidisciplinar
Proporção (des)harmonias e identidades – PHI

Introdução

“Tudo o que a natureza dispôs sistematicamente no universo parece, tanto nas suas partes como no conjunto, ter sido determinado e ordenado de acordo com o número, pela previdência e pensamento d’ aquele que criou todas as coisas, porque o modelo estava fixado, como um esboço preliminar para a dominação do número, pré-existente no espírito de deus, criador do mundo, número – ideia puramente imaterial em todos os aspectos mas, ao mesmo tempo, a verdadeira e eterna essência, pelo que, com o número, como em obediência a um plano artístico, foram criadas todas essas coisas, e o tempo, o movimento, os céus, os astros e todos os ciclos de todas as coisas.”


Nicomaco de Gérasa, Apud. Jean Hanri, o simbolismo do templo cristão, São Paulo, Edições 70, s.d., p. 40.

 
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Esta ideia de harmonia é aparentemente transversal a toda a história evidenciando-se na produção intelectual, cultural e artística do homem. Contudo, também não podemos esquecer que a revolução científica do século xvii e a filosofia empirista, que se lhe seguiu, abalaram “talvez para sempre”, como sugeriu o historiador Rudolf Wittkower a propósito das Vilas de Paládio, os valores universais que anteriormente tinham fornecido os fundamentos objectivos dos sistemas de proporção; na ausência desses valores, a arte ficou “condenada” a apoiar-se apenas em princípios subjectivos.

O número, a medida, as construções geométricas, a relação entre dimensões, isto é, a proporção, são expressões de harmonia e ritmo e, mais do que isso, são uma fonte de beleza nas coisas da natureza, como os cristais, as plantas, os animais, mas também os artefactos humanos, como os edifícios e as obras de arte em geral. Esta é uma ideia antiga que corresponde à noção pitagórica de que o mundo é uma criação matemática harmoniosa e que, de modo a participar nessa harmonia, as coisas que fazemos têm de obedecer às mesmas leis matemáticas.

No entanto, a tradição idealista, associada a pensadores alemães como Kant e Hegel, fez com que na modernidade a ideia clássica de harmonia, fundada em regras irredutíveis, tenha sido reinterpretada com frequência. Basta ver como o início do século xx suportou as investigações dos autores que em vários campos da cultura procuraram superar os ideais funcionais, programáticos ou estéticos, impostos pelas correntes de pensamento racionalistas e positivistas, ou ainda como esta ideia foi recuperada por uma nova geração de arquitectos que, no pós-guerra, num contexto de revisionismo crítico do movimento moderno, procurou legitimar as suas investigações formais, para além do ímpeto tecnocrático do modernismo funcionalista, oferecendo a possibilidade de definir uma racionalidade mais profunda do que a que era fornecida simplesmente pela tecnologia. Este empenho em interpretar uma condição contemporânea, através da antiga ideia de harmonia ou proporção, foi exemplificado por Colin Rowe, cujo ensaio “The mathematics of the ideal villa” estabeleceu uma célebre comparação entre a villa foscari, de Paládio, e a villa stein, em Garches, projectada por Le Corbusier na década de 1920.

Tomando como referência o ensaio de Colin Rowe, propomos uma reflexão pluridisciplinar, aberta a toda a comunidade académica e científica acerca da harmonia e proporção com o intuito de avaliar a pertinência da temática e a sua compreensão nas diversas áreas em que se projeta.